quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O grande da energia no Brasil - Belo Monte



Em tempos como esses, no Brasil não se fala em outra coisa, que não sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Para esquentar o debate, no mês passado surgiu o Movimento Gota D'água, quase como uma cópia de numa campanha americana. Enfim, nela muitos famosos quiseram entrar no debate e guiar a opinião pública. Entre os argumentos vale destacar: 
  • O altíssimo preço da obra (19 bilhões de reais), sendo 80% do financiamento proveniente de impostos (via BNDES). 
  • A necessidade de inundar uma região equivalente a 0.01% da Amazônia Legal – não vale dizer números altos, porque palavras tipo "milhões" ou "bilhões", na minha opinião, só assustam. 
  • A necessidade de deslocar povos nativos (para não entrar na discussão se são ribeirinhos ou indígenas). 
  • O fato de a represa ficar operando em capacidade ociosa durante 2/3 do ano. 
Do outro lado, a favor de Belo Monte, os argumentos são: 
  • Hidrelétricas são baratas a médio-longo prazo, além de produzirem "energia limpa". 
  • O Brasil vai parar de operar logo logo se não conseguir produzir mais energia. 
  • As populações deslocadas receberão toda a atenção e terão mais acesso a serviços públicos 
  • A ociosidade da hidrelétrica durante 8 meses do ano se explica pela falta de um reservatório maior, medida tomada para agradar aos ambientalistas. 
De qualquer jeito, 

Há dois argumentos que precisam ser reconhecidos tanto pelos que defendem a construção, quanto pelos que se opõem a ela. 

O Brasil precisa de energia para continuar crescendo. E alguns especialistas já dizem ainda que se não fosse pela crise de 2008 e o Brasil tivesse continuado o ritmo de crescimento que estava tendo, por agora estaríamos enfrentando outro apagão energético. 

Bom, dito isso, há alguns outros detalhes que precisam ser adicionados ao debate. Primeiro, a hidrelétrica é um meio de fabricar energia barata a longo prazo. Em seguida, é bom frisar que o Brasil já vem se dedicando a construir hidrelétricas desde a década de 1970, quando construímos a Itaipú Binacional - bem perto do Pantanal. 

Por outro lado, também temos que reconhecer a veracidade de outras pesquisas, que apontam este este modelo privilegiando os grandes centros urbanos. Na verdade, se considerarmos que até pouco tempo atrás muitas casas no interior não tinham acesso a energia elétrica, este fato até que se comprova. Hoje em dia, no Brasil, temos apenas alguns centros urbanos significantes (e todos eles, super inflados). Então, segundo essas pesquisas, de uma forma ou de outra, grandes hidrelétricas somente ajudariam a solidificar esse sistema desigual de distribuição demográfica, cujos afeitos já conhecemos bem (pobreza, sobrecarga nos serviços públicos, poluição, falta de planejamento urbano, desemprego, etc). 

Na minha opinião, 

Só pelo fato de a hidrelétrica estar na região Norte, isso não significa necessariamente que estaríamos levando o desenvolvimento àquela parte do país. Afinal, a parte chave do projeto é e estrutura de transmissão que estão querendo construir paralelo à usina - isto é, analisar direito para onde vai essa energia que querem produzir. De uma forma ou de outra, estou certo desde já de que a energia que os nortenhos e nordestinos precisam é mais inteligente que a energia que uma hidrelétrica de todo esse porte pode gerar. 

Dizem que energia solar (fotovoltaica e eólica) ainda não é competitiva no mundo. Na minha opinião, sozinhas, realmente podem não bastar. Mas só para se ter uma ideia, segundo Ricardo Rüther, um especialista da UFSC “o lugar menos ensolarado do Brasil (Florianópolis) recebe 40% mais energia solar do que o lugar mais ensolarado da Alemanha”. A comparação com a Alemanha foi somente pelo fato de esse país ser um dos maiores investidores em energia solar, não querendo dizer nada além disso. 

E tendo isto em mente, quando eu olho para estes mapas abaixo, não dá para os meus olhos não brilharem! Para mim, realmente parte da solução do nosso problema energético está em expandir o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica)! 

Reparem que os lugares mais propícios para a instalação de modernas centrais geradoras fotovoltaicas e eólicas estão justamente no NE. E neste ano mesmo, em 2011, estão em fase de autorização mais de 130 usinas eólicas e solares do Brasil (lógico, ainda muito aquém do ideal)  

ÍNDICE DE RECEBIMENTODE RADIAÇÃO SOLAR NO BRASIL

MAPA DOS VENTOS NO BRASIL - POR INTENSIDADE


Tirando as minhas conclusões sobre a direção que o Brasil deve tomar, 
  • Devemos priorizar o desenvolvimento da energia solar no Brasil.
  • Devemos financiar a construção de mais Pequenas Centrais Geradoras de energia (de qualquer tipo e inclusive na Amazônia, uma vez que sendo pequenas não agridem tanto o meio ambiente). 
  • Devemos valorizar iniciativas como a primeira central geradora solar do Brasil (MPX - do Eike Batista)
  • E como reconheço que talvez isto não seria o bastante, para complementar, por que não ampliarmos o número de termelétricas (a base de etanol) nas regiões N e NE?
No curto prazo, talvez a expectativa é que sujemos um pouco a nossa matriz energética. Pelo menos até que todos os investimentos fossem feitos... Contudo, apesar de estarmos fazendo um investimento muito mais diversificado e complexo, reduziríamos significantemente os custos relacionados a redes de transmissão e poderíamos fazer uma revolução na lógica urbana nacional!

Ao mesmo tempo, o que desanima é que para chegarmos a esta conclusão no congresso, teríamos que reformar o nosso PNE (Plano Nacional de Energia), reduzir os valores das obras, conceder mais incentivos fiscais, etc, etc, etc...
________ 
PS: Para que acha que termelétricas têm necessariamente que ser a base de carvão, no ano passado a Petrobrás construiu em Juiz de Fora – MG a primeira usina termelétrica flex DO MUNDO... 

E já me protegendo de críticas quanto à questão do etanol. Não, eu não consigo ver o etanol como uma ameaça real à produção de alimentos mundial. E, sim, eu me preocupo com as condições nas plantações de cana-de-açucar. Só não acredito que uma temporária incapacidade de policiamento possa fechar uma porta como essas em termos de modificar a nossa matriz energética! 

Se formos nesse caminho, a resposta está dada! Teremos energia, levaremos empregos ao NE e ao N, faremos uma boa distribuição da energia produzida. E ainda por cima daremos um excelente exemplo ao mundo. O Brasil precisa pensar em energia SIM! Mas precisa pensar em energia INTELIGENTE!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As primeiras eleições da era pós Mubarak – uma grande incógnita




Tendo começado as 8h00 da manhã, segundo o horário oficial do Cairo (GMT +2), as primeiras eleições do Egito foram encerradas com atrasos em todo o país. Porém, ao contrário do que se poderia esperar em termos de denúncias de corrupção, violência e obscuridade eleitoral, desta vez os atrasos no planejamento  aconteceram em consequência da enorme quantidade de eleitores inscritos. Em vários casos, é verdade, os atrasos também aconteceram por causa de pequenos problemas administrativos de logística. 

Ainda que as eleições de hoje (28/11) não representem um grande passo em termos de mudanças imediatas na governança nacional, certamente têm uma importância enorme para a história democrática do Egito. E para definir somente a distribuição dos partidos da Câmara Baixa do Parlamento, os egípcios já se mostraram unidos para escrever o futuro do país. Vale lembrar, no entanto, que as principais decisões referentes à política externa e à segurança nacional continuarão sendo tomadas pela Junta Militar até, se tudo der certo, junho de 2012.

De maneira nenhuma eu pretendo soar pessimista em relação à política egípcia, ou algo do tipo. Muito pelo contrário, acredito que os egípcios demonstraram ao mundo duas vezes só neste ano que merecem realmente participar da vida política do país. Aliás, quando em outras oportunidades eu critiquei o rumo que a revolução do Egito estava tomando, acho que a população daquele país se sentia exatamente da mesma forma que eu.

Mas volto a defender: a junta militar do Egito precisa respeitar a datas das próximas eleições e aceitar qualquer que seja a vontade do povo egípcio. Mais ainda, talvez o melhor seja que os militares só participem das próximas eleições como observadores e mantenedores da ordem. Caso tentem postergar sua saída do governo, ou mesmo colocar alguém de sua confiança no poder, o mais provável é que os egípcios não desistam, voltem à Praça da Libertação (Tahrir) e deem mais um show de democracia e participação popular.

Para hoje, o esperado é que o partido da Irmandade Muçulmana saia ganhador. Considerando que será esse parlamento o responsável por redigir a nova Constituição do país, uma decisão deste tipo pode ter uma série de impactos históricos para toda a região. Uma possível (e provável) direção a ser seguida pela nova formação é afastar o Egito relativamente do secularismo e do ocidente. Apesar de serem classificados como islâmicos moderados, assim como todas as suas outras homólogas no mundo árabe, a versão egípcia da Irmandade Muçulmana defende a maior aplicação da Sharia no sistema jurídico nacional e a volta de alguns valores tradicionais islâmicos.

Difícil é prever o que deve acontecer em 2012 e 2013, quando o cenário político no Egito já estiver mais estabilizado. Diferente da Líbia, onde o Estado também está controlado por islâmicos moderados, no Egito as mulheres já vivem uma situação em que elas disfrutam de mais direitos. E estabelecendo uma comparação com todas as movimentações pós Primavera-Árabe, podemos reparar num crescimento do Islã moderado na pólitica de todo o mundo árabe. No entanto, seguindo uma linha mais simpática, no exemplo das eleições da Tunísia o partido islâmico procurou o  maior partido secularista para formar alianças políticas.

Caso o mesmo não ocorra no Egito, a probabilidade de acontecerem retrocessos democráticos relativos à (por exemplo) igualdade de gêneros  naquele país são grandes. Alguns acidentais mais radicais (anti-Islã), por sinal, já especulam sobre a possibilidade de o Egito seguir o modelo e o pensamento político iraniano... Pelas características locais, no entanto, isto já é uma opção bastante remota e uma afirmativa altamente falaciosa.

O fato é: o futuro parlamento do Egito não terá poderes para governar o país, mas terá o papel estratégico de pensar no modelo político que o país deverá seguir daqui para frente. Até onde sabemos, o Egito de 2012 em diante ainda é uma grande incógnita em quase todos os sentidos. Finalmente, o desenrolar da história egípcia nos promete muitas surpresas e devemos todos seguir com grande interesse a continuação da Revolução de Lótus.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A Primavera Árabe entra numa fase decisiva e, onde estão as potências?




Bom, Ben Ali da Tunísia saiu, Mubarak do Egito caiu, Gaddafi da Líbia foi morto e, bem no finalzinho, Saleh do Iêmen aceitou renunciar. Esses foram os resultados mais significativos a favor do povo e indicando mudanças de rumo realmente históricas.

Por outro lado, no Marrocos os protestos não duraram nem uma semana, na Argélia tampouco, no Omã a população quase não se levantou e na Arábia Saudita, nem se fala. No Bahrain a repressão foi sangrenta (contando inclusive com ajuda regional), talvez finalmente seja o próximo governo a cair, na medida em que os levantes voltam a acontecer.

E a Síria segue nesse imbróglio. Os rebeldes (de maioria sunita) cansaram de atender aos desmandos de um governo autoritário (xiita) que a cada dia se aproxima mais do Irã. Na medida em que quartéis são invadidos e que armas são roubadas, como já aconteceu não menos de uma vez, o risco de uma guerra civil torna-se iminente.

Vale lembrar que na Líbia aconteceu exatamente a mesma coisa. O quartel de Benghazi foi saqueado, a população se armou, se preparou e, poucos dias depois a cidade já estava “em chamas”. Mas a Líbia não é a Síria. A Líbia é um paizinho pouco habitado, isolado no norte da África, onde o governo contava com apoio somente de alguns outros países marginais.

Já a Síria tem uma conjuntura totalmente diferente. Para começar, dividi a sua história entre aliada e inimiga do ocidente. Ao mesmo tempo em que já expulsou o embaixador dos EUA de Damasco em 1957, atacou Israel em algumas oportunidades e insiste em não respeitar direito os Direitos Humanos; apoia de certa forma a luta contra a al-Qaeda, já aceita negociar com Israel e ajudou os EUA durante a guerra do Golfo.

Pois bem, na Síria o atual presidente Assad conta com o respaldo de um partido tradicionalíssimo (o Baath). Historicamente sunita, o Baath recentemente se voltou para o xiismo, talvez até perdendo um pouco de sua popularidade anterior. Mesmo assim, só este fato por si só já indica que a saída abrupta de Assad do poder deixaria um vácuo provavelmente preenchido por um governante do mesmo partido. Não se sabe, mas só especulando.

Além disso, a Síria tem um poderio militar bem razoável. Levar uma rebelião a cabo pode ter um grande obstáculo de entrada... Há mais cidades importantes e uma população maior que nos outrs casos de revoltas da primavera árabe. Uma guerra civil na Síria seria uma enorme confusão e um incrível banho de sangue. As proporções dessa guerra síria talvez ainda nem tenham sido vistas no Oriente Médio.

Enquanto isso, países menores se preocupam e se preparam para lutar.

A Turquia, vizinha do norte, já propôs a criação de uma zona tampão na própria Síria para impedir que cidadãos daquele país peçam asilo em Ankara – vocês entendem então um dos motivos pelos quais a Turquia ainda vai demorar muito a ser aceita na EU?

A Arábia Saudita, principal aliada dos EUA no Oriente Médio, tenta impedir que a Síria se alinhe ainda mais ao Irã e que machuque a população (mais pelo fato de ser sunita do que por preocupações relacionadas aos temas de Direitos Humanos). Nesse contexto, o Catar também já está com as forças armadas em sinal de alerta, somente esperando uma ordem do Rei para invadir a Síria.

O Irã, que vinha se aproximando do regime sírio, talvez exerça também um contra peso a favor do regime Baath. Ainda assim, o máximo que consigo imaginar são abastecimentos de armas e talvez apoio logístico. Acho forçado crer que Ahmadinejad mandaria o exército para a Síria. Mas vai ler a cabeça do persa!

Então está aí. Esse talvez seja o próximo caso sério a ser julgado no Conselho de Segurança.

Mas o que eu achava que ia acontecer, realmente aconteceu. A Rússia e a China vetam qualquer sanção à Síria no âmbito da ONU. Depois dos resultados pró-ocidente em território líbio, acho muito difícil agora eles cederem outra resolução ambígua que chame o “Direito de Proteger” para esse caso. Principalmente considerando que a Síria importa armas da Rússia e exporta petróleo para a China.

Nesse caso, na ONU acho que o Brasil deve continuar se abstendo, junto à Índia, à África do Sul e talvez à Alemanha. Não acho que esses países condenariam sanções à Síria, mas ao mesmo tempo, acho que eles não gostariam de estar tão intimamente envolvidos.

Como ficou decidido, a responsabilidade das sanções foi passada para a Liga Árabe...

Mas se há um fato que temos todos que concordar é que há fortes indícios de que uma intervenção estrangeira na Síria poderia levar à maior guerra da história árabe!

O que acham?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A nova Líbia... nova?



E depois de algumas semanas, finalmente a Líbia está de novo nas principais manchetes de guerra da mídia internacional. Porém, pelo menos ao meu ver, o interessante é que as informações parecem muito mais abafadas do que antes. Isto é, sabe-se o que está acontecendo, mas parece que ninguém quer se aventurar a fazer avaliações mais críticas e profundas da situação. O (ex)coronel Kadhafi foi assassinado, mas é como se isso não representasse nada relevante para o mundo fora da Líbia.  

Como eu não trabalho para nenhuma mídia formal e também não sou um ator tão influente das Relações Internacionais, acho que uma avaliação minha não seria de todo tão séria e danosa, não é?! Como sempre faço antes de realmente começar a escrever o meu post, queria mais uma vez deixar claro que as minhas análises não pretendem ser tão profundas. Além de ainda não ter conhecimentos específicos o suficiente para fazer muitas dessas análises, esse nunca foi o propósito de um blog... Então, resumindo, aqui eu vou me propor a falar um pouco do que aconteceu recentemente no norte da África. 

Então o Kadhafi "finalmente" foi eliminado de uma vez por todas do cenário político da Líbia e do mundo. Depois de longos meses de revolta social e ataques militares, finalmente a primeira etapa da revolução Líbia chegou ao fim. Agora, ao contrário do que todos esperam, o complicado vai ser dar seguimento à reconstrução institucional de um país como a Líbia. Aliás, o difícil mesmo será levar todas as reformas sem todo o apoio que vinha sendo disponibilizado pelas potências e num contexto, espera-se, mais pacífico, que portanto também não deve contar tanto com as fiscalizações da mídia internacional. 

Qual será o papel da OTAN de agora em diante? Será que “as potências” vão abandonar a Líbia de agora em diante, ou será que elas vão mudar o cunho da missão para continuar em campo influenciando de alguma maneira a política doméstica daquele país? 

No domingo (dia 23/10), segundo o médico responsável pela autópsia do corpo do ex-coronel,  ficou comprovado que a causa da morte foi um disparo de bala na cabeça do ditador. E o que isso me diz? (1) Que o Conselho foi honesto e que respeitou um importante princípio de governança ocidental, que é o da transparência – o que pode ser considerado um excelente sinal para o povo líbio e para o mundo. E (2), que o Conselho admitiu nas entre linhas uma execução de caráter revanchista e totalmente fora da lei. Querendo ou não querendo, imagens já provaram que Kadhafi não foi morto durante nenhum tiroteio; e a lei mandava que ele fosse levado vivo para então poder receber um julgamento justo. No final, seu destino possivelmente seria igual ao de Saddam Hussein. 

Vale lembrar que além da execução do ex-líder da histórica Revolução Verde, também foram descobertos pela Human Rights Watch (HRW) outros cinquenta e três corpos de partidários do antigo regime. Segundo uma fonte também da mesma organização, alguns corpos ainda apresentavam mãos amarradas para trás - levantando fortes evidências de que aquelas pessoas já haviam sido presas e dominadas; e que foram executadas a sangue frio. Bastaria tê-las levado à justiça. 

Enfim; e como se não fosse o bastante de emoções, um dia depois do anúncio da causa da morte do ex-ditador foi liberada, o líder do Conselho Nacional veio a público e soltou outra importante pista para quem pretende fazer indagações sobre o futuro institucional da Líbia. Finalmente falou-se do princípio que dará norte à formulação da nova Constituição Nacional líbia. E como eu mesmo já havia falado aqui no blog, o mundo deveria ter tido um pouco mais de cuidado antes de se aproximar tanto de um movimento revolucionário em terras inóspitas. Acontece que apesar de todas as interferências ocidentais no processo de tomada de poder e do pensamento etnocêntrico do homem ocidental, o princípio jurídico escolhido foi a Sharia. Prevista no Alcorão e na Suna, a Sharia é rígida, abrange a maioria dos aspectos da vida cotidiano dos muçulmanos e é altamente questionável segundo o prisma ocidental liberal democrático.

Nas palavras de Mahmoud Jibril: 

"Nós, como nação muçulmana, teremos a Sharia islâmica como fonte de nossa legislação. Daqui para a frente, toda lei que entrar em conflito com os princípios do Islã será declarada legalmente nula" 

A princípio, a meu ver, nem haveria um grande problema quanto a isso. Constituição Nacional no meu ponto de vista é uma questão de soberania e de cultura; cada Estado deve ter a sua particularidade. No entanto, também acredito que a realidade é temporal e que o dever da lei é estar sempre se adequando às conjunturas. E este é o problema: a Sharia clássica é baseada em livros seculares (Alcorão e Suna); escritos em circunstâncias completamente diferentes das atuais.

Pensar que os conselhos do Alcorão são atemporais e diretos é abrir espaço para autoritarismos e muitos outros tipos de agressões. Numa tentativa de acalmar esses tipos de pensamentos, Jibril chamou a atenção para o fato de na Líbia haver uma maioria muçulmana moderada, não fundamentalista. No entanto, para mim uma mescla tão homogênea de política com religião pode, inclusive, modificar esse quadro moderado da Líbia. E para provar que a maioria dos muçulmanos pensa mais ou menos da mesma forma que eu, a maioria dos Estados islâmicos mantem sistemas jurídicos mistos (duais); utilizando princípios jurídicos seculares para a maioria das questões civis e a lei islâmica apenas para alguns casos de direito familiar (ex: casamento, divórcio e herança). 

Enfim, a declaração do Mahmoud Jibril (líder do CNT) hoje acerca do tema foi, no mínimo, um tanto polêmica. Para ele, mais ou menos nessas palavras: a Líbia é um Estado de maioria islâmica e que por isso tem vontade de seguir os princípios da Sharia. Mais polêmico ainda, disse ainda que qualquer outra lei conflitante com a lei islâmica deverá ser anulada! Aí, então, podemos nos lembrar de outros dois países que seguem preceitos bem similares: Irã e Arábia Saudita – ambos, referências mundiais clássicas quando se trata de desrespeitos aos Direitos Humanos. 

Então fica o questionamento: mas a Primavera Árabe não era para ser um movimento pelo povo, pedindo por mais liberdades e direitos individuais? Caso a Líbia tome realmente esse contorno, será que as essas liberdade estarão asseguradas sob um Estado “religioso”?. 

Bom, mas a minha análise sobre o tema ficaria superficial demais se acabasse aqui. De maneira nenhuma a Líbia poderá tornar-se um Estado tão parecido com a Arábia Saudita ou o Irã. Levando em consideração que na Líbia não há uma família real e que a maioria do povo é formada por muçulmanos sunitas, talvez o modelo a ser seguido fique mais próximo ao (também falido) sistema iemenita. Ao contrário do que muitos pensam, lá o sistema é presidencial, teoricamente democrático e há o poder judiciário independente dos demais poderes. A diferença ai é que a Líbia não é tão heterogênea como o Iêmen, o que pode ser uma fator determinante e certamente joga a seu favor.

E segue a incógnita... O que será da nova Líbia?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O problema dos revolucionários...

foto à esquerda tirada da revista VEJA e foto à direita tirada do El País

Gostaria agora de fazer uma análise bem interessante sobre esses movimentos sociais que vem acontecendo desde maio. Isto é, não estou me referindo às revoltas árabes por liberdades e democracia, mas as recentes revoltas ocidentais contra a selvageria do capitalismo e contra a atual divisão de poderes na democracia participativa.

Se bem repararam, no parágrafo anterior eu disse que a análise ia ser interessante. Peço desculpas se isso pereceu arrogante de minha parte. De qualquer forma, eu acabei de encontrar na internet uma fonte filosófica forte o bastante que respalda tudo aquilo que eu vinha pensando há algum tempo. E esta fonte não é ninguém menos que o ativo filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman. 

Segundo ele, a “modernidade é líquida”. E fazendo parte dessa modernidade, esses movimentos dos indignados também são. Mas o que significa isso? Resumidamente, poderíamos simplesmente dizer que tudo isso é instável demais, ou demais pelo menos para representar uma mudança séria a curto prazo.

No que as manifestações espalhadas pela Europa e agora pelos Estados Unidos estão pautadas?
1- Todas discordam da atual organização do sistema financeiro mundial, que beneficia primeiramente aos bancos.
2- Todas pedem por uma maior participação do povo nas decisões políticas.
3- Todas têm por princípio a horizontalidade, ou seja, a falta de um líder ou de um grupo de líderes para falar pelo todo.
4- Todas contam com uma forte participação de jovens qualificados, porém desempregados.
5- E finalmente, todas querem com tudo isso promover a criação de mais empregos e maiores salários.
Ao mesmo tempo, esses mesmo grupos apresentam um mesmo defeito: sabem o que não querem, mas não têm a menor noção do que é estão perseguindo. Oras, clamar por "mudança" não é o suficiente. Os manifestantes fazem coro renegando o sistema que está em vigor; mas ao mesmo tempo também não chegam a nenhuma conclusão sobre o tipo de sistema que gostariam de ter. 

Bom, mas o inverno vem aí. Logo, logo, os manifestantes terão de suportar temperaturas abaixo de 0 grau em alguns lugares. Certamente não vão aguentar ficar em barracas no meio da rua. Se não acharem uma nova forma de se organizar, esse movimento quasi-anarquista tende ao mesmo fracasso que tiveram os movimentos similares dos dois últimos séculos. Sem um líder ou um grupo de líderes, no meu ponto de vista, nenhuma mudança prática ocorrerá. Ou ainda mais importante, sem conseguir formular novas ideias (propositivas), não pode haver nenhum fim positivo.

Se eu pudesse dar a minha humilde opinião, por que não formar um novo partido? Seria ótimo! Imaginem 99% da população unida a um só partido com um ideal apoiado por todos. Qual seria o candidato desse partido que não ganharia? Aí, então, qualquer mudança seria facilmente alcançada. Esse partido teria uma maioria absurda em qualquer parlamento.... Mesmo se quisessem refazer todo o pacto social, estamos falando de 99% da população unida! E, claro, esse partido, para ser enquadrado nesse movimento dos indignados, teria de ser membro de uma grande rede internacional. Está aí, e essa nova rede internacional teria o papel de coordenar as mudanças domésticas de cada país e tomas os cuidados necessários para não reproduzirem as assimetrias de poder do mundo de hoje.

Na verdade eu não sei o que poderia surgir. Talvez nem mesmo um partido para entrar no atual jogo político, que já é sujo demais e talvez irreversivelmente corrupto; mas um grupo acadêmico e sério que possa influenciar mudanças reais e sentidas da prática... Segundo Zygmunt, a política vai ter que passar por uma etapa de transformação. Para ele, a ineficiência dos políticos de hoje pode ser explicada pelo descompasso entre política e economia. Isto é, enquanto a economia tem forças globais; a política tem forças apenas nacionais. E essa globalização assimétrica, então, acaba tomando as formas de um perigoso monstro... A resposta pode estar em novas formas de governança global, talvez como eu tenha falado no parágrafo anterior... Estamos preparados?

Enfim, mas os manifestantes rejeitariam a minha ideia. Provavelmente também rejeitariam o insight de Zygmunt. Eles são apolíticos. E qual é a contrapartida? Sentar em praças simbólicas, clamar por mudanças e esperar que algo seja feito pelos atuais governantes. Pelo menos, até onde eu sei, é isto que vem acontecendo até agora.

Infelizmente, ao invés de ser bem aproveitada e gerar resultados; essa nova onda de ativismo corre o risco de cair no esquecimento total. Via este blog, então, eu faço o meu protesto:

Não concordo com a nossa realidade e gostaria de ver uma maior organização nos/entre os Movimentos "Revolucionários"! 

Vamos levar essa revolução adiante! Que tal começar com o compromisso de votar melhor nas próximas eleições? Que tal dedicar mais atenção também ao poder legislativo - ao invés de focar esforços só na poder executivo? Que tal não desperdiçar o nosso voto com Tiriricas e Popós para que gente séria possa ser eleita?

"A emoção é instável e inadequada para definir alguma coisa coerente e duradoura". De fato, a modernidade líquida dentro da qual estão inscritos os Indignados possui como caracteristica a temporalidade, "as manifestações são episódicas e propensas à hibernação." (Jornal El País, "El 15-M es emocional, le falta pensamiento", publicado no dia 17 de outubro de 2011)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Brasil, o IBAS e o Mundo.



Para começar este post, gostaria de explicar um pouco do que vou escrever nos demais parágrafos. Antes que pensem alguma coisa, queria deixar claro que as minhas análises não pretendem ser tão profundas. Além de não ter conhecimentos técnicos o suficiente para fazer muitas dessas análises, esse nunca foi o propósito de um blog... Então, resumindo, aqui eu vou me propor a falar um pouco do que aconteceu recentemente na política externa brasileira; principalmente em relação ao IBAS, ao FMI e à ONU.

Então o Brasil recentemente tem entrado em várias siglas... Seja ela o BRIC, o IBAS, o G-20, ou qualquer outra, isso nos mostra uma série de coisas: (1) que o nosso sonho que ocupar um papel de importância no cenário internacional poderia finalmente estar se concretizando; e (2) que a nossa estratégia diplomática parece não estar agradando tanto.

A nossa “presidenta” (como ela gosta de ser chamada) acabou de participar na África do Sul da 5a cúpula do IBAS, grupo informal que envolve Índia, Brasil e África do Sul. Como já se era de esperar, mais uma vez o resultado da reunião foi uma extensa e bem superficial lista de intenções de cooperação e de posições comuns a serem adotadas no futuro, como no próximo encontro do G-20 na França ainda em 2011.

Sinceramente, começo a pensar que até os nossos tradicionais parceiros estão nos vetando no corredor da fama. Com a nossa performance econômica e a nossa blindagem adquirida, poderíamos muito bem aumentar um pouco a nossa influência no mundo. Como no governo brasileiro não há bobos pensando em política externa, é exatamente isso que estamos buscando (já há um tempo)! Temos parte do dinheiro que poderia ajudar alguns países mais desenvolvidos e estamos nos propondo a emprestar. Tudo bem, queremos apenas parte dos títulos bons e não nos propomos a resgatar ninguém de graça. Não importa. A verdade é que com ou sem o FMI, os países europeus estão sendo obrigados a engolir significativos planos de austeridade e todo mundo está reclamando.

Escapando um pouco do tema do IBAS, hoje mesmo a Moody's estudou reduzir a nota da dívida da França. O fato é que cidadãos alemães e franceses estão tendo que pagar a crise grega e por isso estão também entrando na berlinda. Os governos europeus estão socorrendo seus bancos privados e apertando cada vez mais a corda no pescoço dos cidadãos. E os bancos, que pelo menos na Europa estão sendo um pouco mais regulados, tentam de todas a formas lutar para não demonstrar fraqueza. Isto tudo porque os investidores, ao enxergarem a menor possibilidade de risco, fogem do sistema mais rápido que a luz e produzem mais barulhos que uma manada. E é esse efeito manada no sistema financeiro de um país que, como todos sabem, leva em pouco tempo um país abaixo. De qualquer forma, a conclusão da Moody's foi pela manutenção da nota francesa. Ainda assim, ficou o aviso: as agências de rating estarão de olho.

Sinceramente, na minha opinião os bancos deveriam ter que pagar alguma coisa também. Ou pelo menos que os Estados começassem a trocar ajudas por ações ordinárias (as que dão direito de participação na tomada de decisões). Aliás, essa não é apenas a minha opinião. O Brasil vem defendendo isso no G20; a França idem; e ontem mesmo o Conselho Europeu defendeu a mesma coisa. Além desses, os mais recentes movimentos populares (tipo o Occupy WS), que para muitos não apresentam nenhuma mudança clara, também fazem uma alusão a algo parecido.

Enfim, mas de volta ao IBAS, o grupo também discutiu hoje temas bem atuais de High Politics discutidos no âmbito da ONU. E o mais interessante foi ver que os três concordaram acima de tudo em respeitar as soberanias dos países mais em voga. Ao mesmo tempo em que seguiam a tradição de saludar os anseios democráticos daqueles povos envolvidos, nem mencionaram o nome de Bashar, ou o CNT da Líbia, ou a atual situação do Iêmem. Vale lembrar que tanto a Índia como o Brasil e a África do Sul se abstiveram na última votação com respeito à Síria no Conselho de Segurança; e que os três também foram reticentes quanto à “invasão ocidental” da OTAN na Líbia no primeiro semestre. Então acho que a nossa posição quanto aos Direitos Humanos e a Democracia no oriente está bem definida, não é verdade?

Agora, há algo novo e que merece também a nossa atenção antes de fazermos um julgamento final da nossa presidenta em relação ao tema dos Direitos Humanos. Ainda na semana passada o Brasil criticou abertamente a Venezuela (ainda que de forma suave) por algumas questões que também têm a ver com o mesmo assunto. Mais especificamente, criticamos o tratamento dado aos jornalistas naqueles país e a independência inexistente do poder judiciário.

Indecisão a nossa? Não necessariamente. O Brasil realmente precisa de um apoio mais amplo da população latinoamericana (se é que quer atingir seus objetivos regionais e globais). E uma crítica “delicada” assim bem que poderia ser útil como um lembrete dos discursos iniciais de Dilma Roussef a favor dos direitos universais da pessoa humana. Isto é, fora que a situação da democracia na Venezuela é muito mais clara para todos nós do que os movimentos populares no chamado mundo árabe.

Agora, ontem na África do Sul os líderes do IBAS também voltaram a bater numa tecla bastante importante para a nossa política externa, ainda que um pouco distante de ser concretizada e definitivamente muito pouco popular: a construção conjunta de dois microssatélites e o avanço dos estudos espaciais.

Para alguns, isso pode parecer um tanto lunático; no entanto, há anos que o Brasil vem buscando um maior grau de autonomia tecnológica e mais contato com parceiros pouco tradicionais. Aliás, a construção desses satélites não só nos colocaria no hall dos países de alta tecnologia espacial, o que para muitos pode não significar nada; mas também nos daria finalmente a possibilidade de usar tecnologia e equipamentos próprios para fazer pesquisas e monitorar o nosso tempo. Pela primeira vez não precisaríamos alugar satélites nem depender dos outros eventos do continente para obter informações relevantes sobre o nosso clima ou sobre a nossa geografia.

Mais ainda, talvez ainda houvesse a possibilidade de o Brasil passar a fornecer informações ao resto dos países sul-americanos e Africanos. Assim, talvez isso represente um novo grau de integração regional a ser alcançado e para não dizer, uma dependência a menos dos países do norte.

Bom e é com essas reflexões que eu vou me despedindo... Espero que comentem!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Brasil e o Conselho de Segurança



Desde os problemas dos EUA com o Irã, o Brasil teve uma excelente oportunidade de aprofundar os seus laços com alguns países árabes. Ao invés de apoiar medidas radicais e agressivas propostas pelos EUA e pela Inglaterra, o Brasil procurou parceiros locais e não teve medo de ser uma voz dissonante no ocidente.

Mesmo sendo incontestavelmente fiel aos princípios liberais e democratas, foi também fiel à importância de ser chegar a medidas multilaterais e diplomáticas. Eu, pessoalmente, não poderia apoiar mais as decisões que vêm sendo tomadas pelo governo brasileiro na ONU.

Por outro lado, é público e notório que o Brasil tem objetivos maiores no Conselho de Segurança. Todos sabem que a nossa intenção é conseguir um assento permanente de ter o reconhecimento de praticamente todo o hemisfério para falar em nome dos países mais pobres. O Brasil não sonha pequeno; e se querem saber mesmo, nem deveria. Aliás, sonhar pequeno nunca fez parte do nosso dicionário Diplomático.

Como o Fareed Zakaria (editor da revista TIMES) afirmou numa entrevista ao programa Milênio*, o Brasil terá no futuro a capacidade, como nenhum outro país no mundo, de integrar o resto dos emergentes ao sistema internacional ocidental. No entanto, ao contrário do que ele afirmou nesse mesma ocasião, não acredito que para nos firmarmos como referência, tenhamos que “escolher um dos lados”; ou adotar apenas uma única visão de mundo. Isto é, por lados estou me referindo à noção de “mundo ocidental” e de “resto do mundo”.

Ao contrário, como já aconteceu no início da década de 1960, o Brasil não precisa ter uma diplomacia cheia de compromissos e preocupações pré-estabelecidas que no final só servem para limitar as nossas possibilidades no campo diplomático. Precisa, sim, usar todo a sua tradição pacifista, legalista e humanista para tentar trazer, sempre, cada vez mais atores “ao jogo”.

Como se sabe, recentemente o Brasil apoiou o programa nuclear (pacífico) iraniano; mas em nenhum momento deixou de afirmar a sua defesa pelos Direitos Humanos e pela paz no Oriente Médio. Igualmente, o Brasil não apoiou a participação da OTAN na Líbia e não hesitou em se mostrar contrário aos ataques à população líbia. No início desse ano, o Brasil não teve uma posição definida sobre os movimentos populares no Egito, mas saudou o desejo do povo egípcio por mudanças internas. E agora, nesta semana, quanto à Síria, o governo brasileiro se mostrou contra a repressão do regime de Assad, mas ao mesmo tempo não quis gastar um voto que poderia sujar a sua imagem de neutralidade no oriente médio.

A Síria sempre foi, tradicionalmente, um dos principais aliados do Líbano, haja visto a posição deste país também na mesma votação. E para quem não sabe, o Líbano talvez será o nosso próximo foco de aproximação no Oriente Médio. A África do Sul, que tem sido uma grande parceira diplomática do Brasil desde o início do ano, também preferiu abster-se nessa última votação. Agora, o que essa escolha quis dizer? No meu ponto de vista, abstenção não significa o mesmo que oposição; mas apenas um apoio parcial, mais subjetivo.

Olhando friamente, não consigo de jeito nenhum defender um regime como o sírio. Mas ao mesmo tempo, quantas vezes na história recente os EUA não tiveram uma leitura equivocada dos fatos? E quantas vezes na história recente não se ignoraram a limites de soberania em prol de interesses mais obscuros?

De qualquer forma, a pergunta que pode vir à tona para a maioria das pessoas é: se o Brasil prefere “se abster” quase sempre, o que ele tanto quer fazer no Conselho de Segurança?

E a resposta, em minha opinião, é que o Brasil quer ocupar um espaço de destaque nos fóruns internacionais e se fixar como grande potência hemisférica. Tenho a certeza de que o Brasil enfatizaria a defesa pelas medidas menos radicais de resolução de conflito... E além disso, talvez o Brasil pudesse também mostrar que nem sempre se precisa de grandes armas para se chegar a grandes resoluções. Ao contrário, o Brasil poderia mostrar que há vezes em que o “Soft Power” tem um efeito muito mais desejado. E esse tipo de poder, que não é exatamente aquele defendido pelo realismo tradicional, está bastante em alta hoje e diz respeito também à moral que um Estado tem para defender certa política.

Agora, falando honestamente, quem hoje em dia confiaria nos EUA ou na Inglaterra sozinhos para definir uma questão de paz no Oriente Médio, por exemplo? Ou mesmo no tal Quarteto para o Oriente Médio (totalmente liberal-democrata)?

Não estou nem dizendo que os EUA ou que a Inglaterra devam deixar de ser considerados nas grandes negociações. Na verdade, estou até certo de que países com tamanhos pesos econômicos e militares têm muito a ajudar (até no sentido de que muitas vezes conferem mais legitimidade às negociações). No entanto, o que defendo também é a inclusão de novos atores nas questões de High Politics. Afinal, também, se nada deu certo até agora, por que não tentar “uma receita” diferente?

Só para concluir e deixar mais algumas questões também pertinentes; enquanto o Brasil luta por mais espaço no campo diplomático, também é bom deixar claro que não é somos país insignificante militarmente. Por mais que tenhamos uma história de relativa paz interna e que defendamos o mesmo para todos os outros países; também tivemos participação em diversos conflitos internacionais. O Brasil é atualmente, para quem não sabe, um dos principais produtores de armas de pequeno porte do mundo! Estamos ano a ano aumentando os nossos investimentos em revitalização das nossas FF.AA.

A única diferença, realmente, é que jamais entramos sozinhos numa guerra. Sempre, por um motivo ou por outro, o Brasil prezou pela multilateralidade e pela cooperação internacional. Historicamente, participamos da guerra do Paraguai em conjunto com a Argentina e com o Uruguai. Entramos na II Guerra Mundial com a nossa localização geográfica e com uma força expedicionária. Já mandamos bastante militares para países da América Latina, da África, da Europa, e do Oriente Médio pela ONU. Mais recentemente pacificamos o Haiti (MINUSTAH); e ainda na semana passada acertamos de mandar mais 300 soldados e uma Fragata para ajudar a patrulhar as águas libanesas (UNIFIL). E por aí segue a nossa história de cooperação e envolvimento com questões de segurança


*A entrevista do Fareed Zakaria para a globo News pode ser assistida integralmente em: http://g1.globo.com/videos/globo-news/milenio/